Por: Roberto B. de Carvalho
– A professora pediu uma pesquisa sobre a profissão dos pais. O que é que você faz?
– Sou professor universitário.
– Mas, pai, eu pensei que você fosse médico...
– Sou médico, mas não exerço a profissão.
– Mas você não estudou medicina?
– Sim, estudei.
– Mas eu vejo você mexendo só com bicho. Então você é veterinário...
– Não sou veterinário, sou zoólogo.
– Professor, médico, zoólogo... Ouvi dizer que você é escritor também?
– Isso mesmo.
– Ô, pai, e aquele lugar que você entrou, como é mesmo que chama?
– Academia. Academia Brasileira de Ciências.
– Isso! A mamãe disse que lá só tem cientista. Então você é cientista também?
– Sim.
– Quer saber, pai? Você é uma confusão! Vou fazer a pesquisa com a mamãe.
Convidado pelo respeitado entomólogo Newton Santos (1916-1989) para aprimorar seus conhecimentos sobre insetos no Museu Nacional do Rio de Janeiro, não hesitou em aceitar o convite. Hospedado na casa do tio Aníbal Machado (1894-1964), aproximou-se dos intelectuais que aos domingos acorriam à residência do ilustre escritor, em Ipanema, para participar das famosas ‘domingueiras do Aníbal’. Foi assim que começaram a se solidificar as bases de um terreno que só mais tarde exploraria com afinco: a literatura e o teatro.
Antes mesmo de ingressar na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), começou a fazer uma histologia de ponta ao lado do especialista Wladimir Lobato Paraense (1914-2012), que trabalhava no escritório do Instituto Osvaldo Cruz em Belo Horizonte. Foi o início de uma brilhante carreira do morfólogo que depois se especializaria em ciências do cérebro.
Com a naturalidade dos predestinados, que mantêm um olho vivo no presente e outro bem assestado no futuro, Angelo sempre agarrou com determinação as boas chances que a vida lhe ofereceu. Hoje, aos 79 anos, vai duas vezes por semana ao Departamento de Zoologia da UFMG – do qual foi professor ao se aposentar no Departamento de Morfologia da mesma universidade – e trabalha 10 horas diárias em casa, pesquisando sobre libélulas ou escrevendo artigos científicos, peças de teatro e livros de literatura infantojuvenil.
Quem conhece Angelo Machado ou já assistiu a uma de suas palestras em eventos científicos, culturais ou de divulgação de ciência sabe de seu talento para comunicar-se com públicos de diferentes áreas e idades, reconhece o quanto se aprende ouvindo-o falar e jamais se esquece do fino humor que permeia seu discurso.
Certa vez, falando do amigo, disse o dramaturgo mineiro Jota Dângelo: “o Angelo é um humorista nato e poderia ter vivido disso se quisesse”. Ele não quis viver disso, mas nunca abriu mão de enfrentar a vida com humor, tendo sempre, na ponta da língua, uma piada oportuna e inteligente para as mais variadas situações. Ganham com isso seus interlocutores, ganha com isso principalmente ele próprio, que sabe levar a vida como ninguém.
Roberto B. de Carvalho
Ciência Hoje/ PR